linha-férrea de Lisboa ao Porto

27-01-2012 09:29

"Encurtar Distâncias"

Havia-se concluído recentemente a linha-férrea de Lisboa ao Porto. Foi esse um acontecimento que alvoroçou de júbilo o nosso pequeno País, onde as jornadas eram longas, perigosas, medonhas. Os salteadores infestavam os caminhos, povoavam as montanhas. As pessoas que viajavam em diligências - veículos puxados a cavalos ou mulas e que só por antífrase podiam chamar-se diligências - procediam a disposições testamentárias antes de sair para alguma parte. O mar era-nos muito mais conhecido, a nós, povo originariamente marítimo, do que a terra. (...)

Não obstante uma certa hesitação que experimentamos ordinariamente em face do desconhecido, a rápida passagem dessa longa fila de carruagens, que mais parecia uma cidade inteira que por encantamento se deslocava todos os dias, era saudada em todas as povoações colaterais com um orgulhoso grito de entusiasmo e as pessoas mais abastadas das povoações próximas invadiam alegremente os vagões, partindo unicamente para uma excursão de prazer ou para visitar um velho parente, que não tinham visto nunca, ou só tinham visto uma vez em toda a vida. (...)

As sensações dos viajantes eram tantas, tão novas, tão diversas que relembrá-las todas seria impossível. A dança fantástica das árvores a aparição e desaparição instantânea das povoações, a festa dos camponeses, a surpresa do grande espaço de terreno que se vencia num pequeno espaço de tempo, as comoções da chegada, a alegria de abraçar os parentes e os amigos distantes, a visita a monumentos desconhecidos, depois o regresso, a explicação da viagem, a história minudenciosa de todos os episódios... tudo isto exaltava por tal modo a imaginação e atiçava a curiosidade, que facilmente suplantava os receios do primeiro momento e fazia com que as pessoas que chegavam zombassem da medrosa superstição das que tinham ficado."

Adaptado de PIMENTEL, Alberto – O Porto por fora e por dentro.